quarta-feira, 9 de julho de 2008

A Criatura

Durante o dia, apenas uma televisão e um videocassete (DVD). Aparelhos modernos, de um mundo igualmente moderno, eletrônico.

Com o cair da noite, a escuridão toma conta do quarto, até que a única coisa visível sejam as pequenas luzes de “stand by”.

A criança deitada tenta descansar de um dia cheio de brincadeiras, correrias, gritos e gargalhadas, porém, algo a perturba, impossibilitando-a de desfrutar de seu merecido descanso.

Aqueles malditos pontos cor de rubi, flutuando na escuridão. Poderiam ser qualquer coisa. Apesar de a criança saber do que se trata, no íntimo sabe que poderiam ser, se de fato não eram, dois olhos a espreitando. O dono de tais olhos seria uma criatura tão terrível quanto a que ele assistira em um filme naquela mesma televisão, cerca de 6h atrás? A criatura estaria aguardando o momento em que seu corpo frágil, de diminutas proporções, não agüentasse mais, caindo assim no sono profundo, para devorar-lhe com as presas enormes que agora jazem abaixo daqueles pérfidos olhos carmim, escondidas pela escuridão profunda.

A criança então esconde o rosto debaixo do lençol, acabando momentaneamente com aquela ameaça (bem recordamos o quanto fazíamos isso) e então adormece. O monstro some, para voltar na noite seguinte. A escuridão é seu lar, e aquelas luzes, seus olhos. O estalar no silencio noturno, talvez sejam suas garras enormes, em um movimento involuntário.

E assim a criança segue, escondendo o rosto para tal ameaça (afinal é apenas uma criança, não é mesmo?) e ela passa a se acostumar com a situação e, após mais algum tempo, a ignorá-la.

Mas a criança cresce, e torna-se um adulto admirável. Ao menos de dia, pois à noite, inconscientemente, ela sabe q a “criatura dos olhos vermelhos” ainda a observa e, assim como a outrora criança, ela também cresceu, tomando conta de diversas áreas da mente de quem à teme.

Se perguntado, o adulto negará a existência de tal criatura, e entre risadas, dirá a quem o questiona, que está ficando louco. Afinal, essas coisas não existem.

Mal sabe ele que esse monstro vive dentro dele, e se faz presente no dia-a-dia. A criatura, que antes aterrorizava os sonhos da criança indefesa, hoje se esconde no que chamamos de receio, na desconfiança, na traição, na submissão e conformismo. E este adulto ainda tenta invariavelmente cobrir o rosto com o lençol.

Os atos mais pérfidos da mente adulta evoluíram com este monstro, assim como o medo de encará-lo!

Filipe A. Motta