quinta-feira, 26 de junho de 2008

Suspiro Passageiro

Ele passa, com seu cigarro, tragando compulsivamente. As luzes noturnas refletem sobre a sua pálida feição. Vaga sozinho, pela noite fria, procurando algum lugar. Uma busca tão vaga quanto os seus bolsos.

Ela vem, em sua direção, despercebida. Ar de dependente, glamour decadente. Sente frio, enrola o cachecol que se desfaz no nó mal feito. Caminha rápido como se fugisse de si mesma. Os olhos não prestam mais atenção no caminho.

Colisão. Encontro. Choque. Os olhos se alinham no mesmo paralelo. Os rostos se contorcem em uma expressão de repúdio. Um flashback preto e branco passa em sua mente e o amargo toma lhe conta de seu paladar. Ela corre, sem dizer uma única palavra. Foge agora daquele que um dia fora mais que uma decepção...

Marina Baptistella

terça-feira, 17 de junho de 2008

O Último Ato

O relógio marcava as horas daquele dia sem fim. Os olhos observavam as espirais formadas pela fumaça do cigarro. Lia no jornal as entrelinhas dos classificados. Afogava-se em um copo de cerveja tentando esquecer os problemas. A mulher o abandonara meses antes, sem deixar nenhum bilhete. A vida não lhe era agradável, muito menos justa. Era o seu pior inimigo e sua única companhia.

Buscava uma saída naquele labirinto angustiante. Dinheiro não lhe restara, muito menos disposição. Nada mais lhe satisfazia e viver era um verbo cortado de seu dicionário. O tempo passava e covardemente tomava os suspiros daquele pobre homem abandonado.

Saltou da janela, em busca de um vôo desesperado. Por um momento desejou voar. Suas asas imaginárias não o sustentaram, como Ícaro ao encontro do Sol. Desabou na calçada com um olhar suplicando por misericórdia. O vermelho vivo de seu sangue contrastava com sua aparência pálida. Assim deixou a vida, que já o deixara há muito tempo..


Marina Baptistella

sexta-feira, 6 de junho de 2008

O Homem em seu Mundo

Já perdi as contas de quantos dias havia passado naquele lugar escuro comendo insetos e bebendo de uma goteira sobre minha cabeça. Não via ninguém á meses ou até mesmo anos, estava totalmente perdido, literalmente no escuro. Depois de um tempo meus olhos ficaram tão acostumados com as trevas que eu quase parecia um gato, minhas pernas confinadas naquele pequeno espaço já não funcionavam direito e meus braços pareciam varetas por falta de exercício. Era obrigado a dormir recostado numa parede fria e dura, fazendo com que minhas costas ardessem de dor, porém a isto também me acostumei.

Lembro-me muito bem do dia (ou noite, não posso dizer com certeza) em que descobri que fazia algum tempo, uns ratos estavam devorando meus pés. Não sentia dor, apenas formigamento e pouco tempo depois não sentia mais nada. Tratei logo de retirar os roedores com meus braços terrivelmente finos, que estavam cheio de manchas sobre a pele ressecada.

Como cheguei neste lugar? Não me lembro direito, só consigo me recordar de uns homens fardados me abordando de noite numa rua sem saída. Carregavam metralhadoras nas mãos sujas de sangue e gritavam coisas todos ao mesmo tempo, fazendo com que eu não conseguisse entender uma única palavra que eles diziam. Vi que um deles estava esperando uma ordem para atirar, pois estava com uma pistola apontada para minha cabeça. Senti a morte de perto, mas ao contrário do que dizem minha vida não passou diante de meus olhos, apenas senti medo e o cano frio da arma encostada na lateral de minha cabeça enquanto rezava como sempre fazia quando estava cagado de medo. Suava frio quando meu verdadeiro pesadelo começou. Os homens fardados saíram correndo em disparada enquanto outros iam atrás deles atirando. O que salvou minha vida também a destruiu. Os outros que perseguiam os homens fardados pararam e me revistaram. Cegaram meus olhos com uma venda e senti uma batida na nuca e desmaiei. Acordei aqui, neste lugar sem janelas onde faço companhia para os ratos.

Ficava pensando que seria melhor morrer do que viver ali. Pensava também que qualquer um poderia estar no meu lugar, mas por golpe do azar, lá estava eu. Mas com o tempo comecei a mudar de idéia. Apesar de tudo que tinha que agüentar, era um mundo somente meu, sem perturbações em relação ao trabalho e ao cotidiano. Um mundo somente meu, onde não havia gritaria, apenas aquele profundo silêncio que eu tanto apreciava. A comida apesar de ser ruim não acabava e com o tempo as baratas e besouros começaram a ter um gosto até que interessante. O cheiro no começo era insuportável, mas com isso também me acostumei. Até passei a gostar depois de certo tempo.

É impressionante como o ser humano é capaz de se adaptar com as condições oferecidas, seja pela natureza ou por outros da mesma espécie. E lá estava eu, transformado numa coisa dentro de um lugar escuro, rebaixado a um animal, sujo e parecendo um cadáver. Porém feliz com meu mundinho particular.

Foram tempos em que pensei bastante. Pensava nos meus pais, amigos, na guerra e na paz, no amor e no ódio. Passava o tempo inteiro filosofando, mas uma hora encheu o saco. Para que pensar num lugar como aquele? Em pouco tempo parei de pensar nas coisas. Meu cérebro pareceu ter atrofiado, assim como meu coração, pois não sentia mais nada pelos outros, pelas minhas memórias antes preciosas como jóias. Apenas sentia aquele instinto de sobrevivência e só pensava em como fazer uma armadilha melhor e mais eficaz para pegar os insetos que ali estavam. Não me repugnavam mais os ratos a roer minha perna, afinal eles estavam apenas tentando sobreviver, assim como eu. Porém eu era mais forte, era evoluído e poderoso. Comparados á mim aqueles malditos não eram nada.

Mas para todos existe um limite. O meu eu alcancei alguns dias depois de uma árdua batalha contra os ratos. Aliei-me aos meus antigos rivais, os besouros e juntos acabamos com a raça daqueles malditos roedores. Porém em batalha fui ferido gravemente na barriga pelo general das tropas inimigas. Levaram-me até o hospital dos besouros numa maca improvisada. Minha barriga doía e parecia que havia sempre algo perfurando minha carne dentro daquele buraco feito pelo maldito inimigo. Morri na sala de cirurgia. Então vi tudo se movimentando lentamente e minha vida desta vez passou diante dos meus olhos. O meu nascimento dentro de um lugar escuro, meu pai me ensinando sobre as táticas de guerra, vi quando me alistei no exército contra as baratas, minha ascensão até o posto de comandante. Vi a trégua com os besouros e finalmente o rato me ferindo de morte. Tudo muito rápido. Enxerguei então acima de mim uma luz muito forte que feria meus olhos. Então aquilo era a morte?

Os cientistas abriram a porta do alçapão e viram lá dentro o homem que confinaram por um ano inteiro. Ele estava seco e muito branco, como era de se esperar. Seus pés estavam cheio de mordidas de ratos e na barriga um deles estava chafurdando na sua carne exposta. Tinha resistido bem mais tempo do que previram os homens da ciência. Retiraram o corpo dali e o colocaram num saco preto. Novamente sua visão escurecia.



Henrique "Hobbit" Mangoni

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Tudo isso é necessário?

Todas as manhãs, ao levantar, me faço essa pergunta. Porque aceitar tantas adversidades apenas por dizerem que esse é o caminho certo a ser seguido? Não seria melhor tentar criar uma nova trilha?
A nossa vontade, hoje em dia, é ignorada, tal qual um vagabundo na sarjeta.
Não temos mais nada, nem mesmo opinião própria, sendo influenciadas por pessoas que nem mesmo conhecem nossos nomes. Por vezes nem mesmo uma pessoa, e sim uma idéia, que persiste fortemente nas mentes de uma população em decadência.
O poder de decisão é destruído por uma caixa onde não se busca mais entretenimento, mas sim a resposta para o alívio do dia-a-dia, para suas angústias. Resposta essa, vaga e superficial, quando existente.
Muitas são as pessoas que me dizem parapensar no futuro. Mesmo elas não tendo uma base para o presente. Vejo que esse é um pensamento seguido por muitas pessoas de minha idade. Jovens preocupados com coisas demasiadamente longínquas na escala temporal de suas vidas.
Penso que, antes do futuro, o período que mais importaé o presente.
Muitos buscam a tão sonhada estabilidade financeira. Não seria melhor buscar uma "estabilidade pessoal"? (incluo aqui todas as emoções, sentimentos e sensações que permeiam nossa vida cotidiana)
Tomando a liberdade de usar alguns termos do mestre Stephen King, sigod pensando que de nada adianta chegar a clareira do fim do caminho, sem ter aproveitado o caminho em si, aprendido ao maximo durante essa viagem, e "não ter esquecido o rosto de seu pai"!!!