sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Pepita

Ao andar, por não sei onde,
Avistei uma mina.
E, pasmo, observei seu solitário morador.
Enegrecido por sua ilusão.

Soterrado em suas preocupações,
Pobre trabalhador das minas,
Perdido em suas convicções,
Asfixiado na névoa da razão.

Procura pepitas...
Procura carvão...
Pobre mineiro,
Mal sabe ele que perdeu seu coração.

Procura a riqueza
Esquece-se do mundo
Soterrado em suas ambições
Sonha com ouro para desfrutar o que é gratuito.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Sobre Afrodite, Hefesto e Morfeu

Acordo suando frio de mais um daqueles horríveis pesadelos que me atormentam desde que você se foi. Olho para o relógio, três horas da madrugada. Deito minha cabeça de forma violenta no travesseiro e fico olhando para o teto escuro. Um suspiro doloroso sai do meu peito. Consigo ver teu rosto projetado nas sombras, olhos azuis, cabelos da cor do Sol. Pego o teu retrato para ter certeza de que era assim mesmo. Não, eu não estava errado, ainda me lembro de ti. Passo meus dedos sobre a foto, ponho teu rosto no meu peito e volto a dormir. Os pesadelos recomeçam. O fogo come a madeira naquele lugar e encobre as paredes daquele quarto vermelho que aos poucos vai se tornando negro. Vejo-te deitada na cama e fico observando as chamas te consumindo aos poucos, lentamente deformando o belo rosto, as mãos perfeitas, as pernas magníficas. Tenho a impressão de que tu queres gritar, mas o fogo está devorando tua garganta por dentro e por fora, sufocando-a em fumaça negra. Não sei por que, mas acho graça de tudo aquilo. Talvez porque não seja bem um pesadelo, mas sim uma recordação. Talvez se eu tivesse me controlado, talvez se tu não tivesses falado tanta besteira, acho que não precisava ser assim. Acordo mais uma vez, hora de trabalhar.
Enquanto ando na rua movimentada vejo estampado nas pessoas o teu rosto, metade queimado, metade intacto. A garganta com um buraco e os olhos lacrimejando. Finalmente chego ao meu escritório. A maldita secretária me recebe com um “bom dia” e eu apenas aceno com a cabeça. Porque ela não fica quieta? Desgraçada, talvez devesse ser ela queimando aquele dia.
Entro na minha sala. O frio que vem da rua me faz congelar e decido acender a lareira. Sinto sono, muito sono. Deito-me no divã e deixo que joguem areia nos meus olhos para que eu adormeça mais uma vez, para que mais uma vez o sono me traga pesadelos, para que mais uma vez eu te veja.
Desta vez tu estás sentada debaixo de uma árvore segurando uma flor entre os dedos queimados, o rosto disforme olhando as pétalas caírem uma por uma. Sinto uma culpa avassaladora esmagando o meu peito, me fazendo cada vez mais recuar para longe de ti. Estou mais uma vez no meu escritório e a lareira me mostra o que eu deveria ter feito há muito tempo. Ponho minha cabeça ali e deixo queimar. Olhos ardendo, boca seca. Um grito meu é abafado pelas mãos poderosas de Hefesto. Tenho a impressão de que já fiz isto antes. A diferença é que agora não é apenas um pesadelo.